
A Desconstituição da Paternidade por Ausência de Vínculo Afetivo: Um Marco no Reconhecimento da Paternidade Responsável
DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕESPLANEJAMENTO PATRIMONIAL E SUCESSÓRIO
Dra. Flávia Carneiro Pereira
6/26/20253 min ler
Por Dra. Flávia Carneiro Pereira
Recentemente a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou a centralidade do afeto como elemento essencial da filiação. Por unanimidade, o colegiado manteve a desconstituição da paternidade de um jovem de 25 anos, diante da comprovada ausência de vínculo afetivo e do abandono material por parte do pai registral. A decisão autorizou a exclusão do nome do genitor da certidão de nascimento, mantendo apenas os nomes da mãe e dos avós maternos.
A relatora, Ministra Nancy Andrighi, destacou que “constatada a inexistência de vínculo de socioafetividade entre o autor e seu genitor, bem como evidenciada a quebra dos deveres de cuidado do pai registral, consubstanciado no abandono material e afetivo do filho, verifica-se a possibilidade de rompimento do vínculo de paternidade, ante o descumprimento do princípio constitucional da paternidade responsável”.
O caso concreto
O jovem ajuizou ação para desconstituir a paternidade, alegando abandono afetivo e material e sofrimento causado pelo sobrenome do pai, condenado por crime grave. Desde a separação dos pais, ainda na infância, ele foi criado pela mãe e avós maternos, sem contato significativo com o pai, salvo uma visita na prisão. Em 2009, obteve judicialmente a retirada do sobrenome paterno. Após decisões favoráveis nas instâncias inferiores, o pai recorreu ao STJ, que manteve o reconhecimento da inexistência de vínculo socioafetivo e confirmou a desconstituição da paternidade.
A afetividade como vetor da filiação
O julgado reforça a linha evolutiva do Direito das Famílias, que já reconhece a paternidade socioafetiva como geradora de vínculo jurídico, independentemente de laços biológicos. Agora, o STJ avança ao afirmar que a inexistência dessa afetividade, quando aliada ao abandono e à quebra dos deveres parentais, pode fundamentar o rompimento do vínculo registral.
Essa interpretação está em sintonia com o entendimento doutrinário e jurisprudencial que prestigia a função socioafetiva da paternidade e busca evitar a perpetuação de relações jurídicas meramente formais, sem substância afetiva e sem efetivo cuidado com o filho.
Reflexos patrimoniais e sucessórios
Além da exclusão do nome do pai da certidão, a decisão extinguiu os deveres recíprocos entre as partes, inclusive em relação a direitos sucessórios. Trata-se de consequência lógica e jurídica da desconstituição do vínculo: com o fim da paternidade, cessam os efeitos decorrentes dela.
É importante ressaltar, contudo, que a decisão não abre caminho para generalizações. Cada caso exige análise cuidadosa e prova robusta de que houve abandono afetivo e material, bem como ausência absoluta de convivência e laço entre pai e filho.
Considerações finais
A decisão da 3ª Turma do STJ representa mais um passo na consolidação de um Direito de Família pautado na dignidade, no afeto e na responsabilidade. Não se trata de desvalorizar o vínculo biológico, mas de reconhecer que a parentalidade deve ser vivida com compromisso, empatia e presença — não apenas registrada em um cartório.
Como bem pontuou a Ministra Nancy Andrighi: "Se a presença de socioafetividade autoriza o reconhecimento de vínculo de filiação, é possível compreender que a sua ausência implica o seu rompimento."
Essa decisão transcende o valor jurídico do precedente, convidando à releitura da filiação sob a ótica contemporânea, em que o vínculo afetivo se sobrepõe ao meramente biológico.


Dra. Flávia Carneiro Pereira
OAB-PR 19.512
Especialidade: Especialista em Direito de Família, Sucessões, Consumidor e Violência Doméstica